sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O círculo intelectual da culpa

O interessante dessas manifestações contra a Rachel Sheherazade e o caso do menor agredido não é nem o conteúdo da crítica, pois é claro que a tortura não é um bem, mas sim o paradoxo dos que se revoltam contra um tipo pontual de infração e toleram outras, já quase estabelecidas. A violência desnecessária contra um cidadão é tão condenável quanto a destruição da propriedade e a agressividade contra policiais e trabalhadores. A ideia é que quando a lei falha, ou talvez "o sistema" - seja lá o que é isso - as normas jurídicas devem ser suspensas em prol de uma cidadania ativista. O problema é que quanto um menor como aquele é agredido, seus carrascos provavelmente nem pensam nessas coisas, sendo suas ações condenáveis, com razão, por serem praticadas no calor da emoção. Pior do que isso, porém, são os ideólogos da subversão, que inculcam a rejeição às normas legais numa espécie de desobediência civil distorcida - que também está longe de ser revolucionária pois nem conta com um real apoio popular. Nos dois casos é a suspensão do direito ou a ideia, intrinsecamente destrutiva para qualquer arranjo normativo democrático, de que não há bases comunicativas para um direito comum.

Sim, concordo que a violência da polícia está exacerbada. E penso que talvez seja preciso uma nova abordagem da ação policial. Talvez necessitemos daquele policial de que fala Chesterton: não tanto o que vai às casas de jogos para perseguir ladrões ou intimidar os pobres, mas o que está "mais preocupado com as aberrações do intelecto científico humano do que com os surtos ordinários e escusáveis, embora excessivos, da vontade humana". Com aqueles que prometem o paraíso sem o certo ou o errado, sabendo que isso significa a morte. Os verdadeiramente culpados, que usam bombas ao invés de pistolas, pois não pretendem só acabar com o rei, mas ficam felizes por atingir "alguém"...

sábado, 10 de agosto de 2013

A Irlanda do Norte e as identidades religiosas


Reduzir a questão da Irlanda do Norte a um problema de intolerância religiosa seria deixar de lado séculos de história que conduziram à própria afirmação da identidade nacional irlandesa. Por outro lado, o caso ilustra como a religião deve ser levada em conta como um fator cultural de identidade política.

No século XVII, ingleses e escoceses protestantes imigraram massivamente para a região de Ulster, ao norte da Irlanda, confiscando as terras de antigos agricultores nativos. Com as restrições da Coroa à construção de escolas e ao acesso aos cargos públicos para os católicos, a língua inglesa rapidamente passou a dominar o nativo gaélico enquanto um fosso cultural era construído entre britânicos protestantes e irlandeses católicos. A distância ainda foi acentuada pela concentração dos protestantes nas áreas industriais ao Norte, enquanto os católicos ficavam cada vez mais isolados nas áreas rurais ao Sul.

Aos poucos a clivagem se refletiu no âmbito político quando o Home Rule Party (hoje concentrado no Nationalist Party) passou a reivindicar a autonomia da Irlanda por um parlamento próprio. O membros do Conservative Party (hoje presentes no Unionist Party) se opuseram à ideia por temerem o isolamento dos protestantes ao norte da Ilha, que tinha maioria católica. A contenda transformou-se em disputa nacional, mas os britânicos buscaram assegurar o controle de Ulster e das províncias setentrionais, enquanto acabaram por permitir a independência do Sul. Ainda assim, as diferenças entre Nacionalistas e Unionistas na Irlanda do Norte refletem não somente seus respectivos projetos políticos mas também um imaginário histórico-cultural. Prova disso é o fato de que enquanto os católicos no país apresentam-se como "irlandeses", a maioria dos protestantes se identifica como "britânico". No fundo, trata-se de duas identidades nacionais que foram se desenvolvendo a partir da oposição entre diferentes grupos religiosos.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Heranças do Passado

Em seu artigo Bearish on Brazil, a Foreign Affairs disse o que todo economista já sabia há muito tempo: que o sucesso econômico do Brasil se deve principalmente aos seus produtos primários, o que torna sua estabilidade completamente temerária. Agora chegou o momento, há muito previsto, em a demanda das commodities cai e o Brasil tem que segurar suas excessivas despesas com burocracia pública por meio da carga tributária, que só faz destruir a competitividade dos setores que realmente movem a economia em geral. Agora o governo tira taxação do setor automobilístico e transfere para o setor de bebidas, o que só vai prejudicar mais ainda não só essa indústria como as camadas mais frágeis, os comerciantes. E assim vamos vivendo de uma herança que remete a década de 1930 (ou seria ao período colonial?).

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Caso Battisti: Direito ou Ideologia?



Cesare Battisti foi condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana por sua participação em atos terroristas ocorridos entre os anos de 1977 e 1979, mais precisamente, pelo planejamento e homicídio de quatro pessoas. Ele liderava um grupo de extrema esquerda, denominado Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Após ter sua condição de refugiado revogada pelo governo francês de Jacques Chirac, Battisti fugiu para o Brasil, onde foi preso em 2007. No dia 31 de dezembro de 2010, após longo processo judicial, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva decidiu não extraditar o réu, à revelia da decisão do Supremo Tribunal Federal. Neste artigo, buscaremos analisar esse evento à luz do Direito Internacional, no que se refere à condição jurídica do estrangeiro.

Primeiramente, devemos esclarece alguns conceitos básicos essenciais ao processo de Battisti. Em 2009, o ministro Tarso Genro concedeu a condição de refugiado ao réu, o que obstou sua extradição. Mas quais são as condições para que um indivíduo seja considerado refugiado político? Segundo a lei N. 9.474, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1957, o refúgio é concedido ao estrangeiro que sofre perseguições ou que possua fundado receio de sofrê-las. Essas perseguições podem ser de caráter racial, religiosa, nacional ou por opiniões políticas. É importante ressaltar que o Estatuto dos Refugiados visava inicialmente a proteção dos refugiados após a II Guerra Mundial. Seu conteúdo é inspirado nas violações aos direitos humanos praticados por regimes totalitários e, por isso, tem como objetivo proteger os grupos perseguidos. Sendo assim, o refúgio se caracteriza por estar sujeito a convenções e organismos internacionais, sendo verdadeiro instituto universal e apolítico. Ele é concedido em conseqüência de atos generalizados de perseguição a todas as pessoas que se enquadram nas situações contidas em lei.

No Brasil, compete ao Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão atrelado ao Ministério da Justiça, a concessão em primeira instância do estado de refugiado. Ele também pode declarar a cessação ou perda do estado de refugiado, caso as condições que levaram ao seu deferimento não existam mais ou seus fundamentos forem falsos. No caso Battisti, o CONARE foi contra a concessão do refúgio.

Há ainda outra condição, a do asilo político, que é concedida ao estrangeiro que sofre perseguição por dissidência política ou delitos de opinião. Como alude Francisco Rezek, o objeto da afronta não é um crime penal universalmente reconhecido no direito penal comum, mas uma forma de autoridade assentada sobre ideologia (REZEK, J. F. Direito Internacional Público: curso elementar . São Paulo: Saraiva, p. 219). Ou seja, o asilo é concedido quando alguém é perseguido por crimes ou razões que somente são relevados em seu país, pois se fundamentam em convicções políticas. Não é o caso do homicídio, por exemplo, que é crime segundo o direito comum. O asilo político é concedido de forma soberana, sendo independente de qualquer organismo internacional. Sua intenção é proteger uma pessoa, individualizada, que esteja sendo perseguida em seu país de origem. Ao contrário do refúgio, que é um ato vinculado, ou seja, sua concessão está atrelada aos casos previstos em lei, o asilo é ato discricionário, sendo a sua concessão uma decisão soberana.

Uma vez esclarecidos esses conceitos, pode-se compreender o motivo do indeferimento da condição de refugiado e da decisão do STF de extraditar Battisti. Ele não estava sendo perseguido por suas convicções políticas, mas por crimes comuns (homicídios) cometidos durante a vigência de um regime democrático. No Senado Federal, as Comissões de Relações Exteriores (CRE) e de Direitos Humanos (CDH), já haviam entendido pela impossibilidade de concessão de refúgio político ao réu. Os crimes de Battisti não se enquadrariam na condição de crimes políticos, já que a Justiça italiana não se encontrava sob um regime de exceção na época de sua condenação. Além disso, em 2006, a Corte Européia de Direitos Humanos ratificou a decisão do Poder Judiciário italiano, confirmando a validade e retidão do processo.

Sendo o refúgio ato vinculado, seu indeferimento pelo judiciário impele a extradição do réu, de acordo com o tratado de extradição existente entre Brasil e Itália. O asilo não seria viável em caso de crime comum, mas, por ser ato discricionário, seria o único instrumento que o governo teria para manter Battisti no Brasil, sem ter que prestar contas ao judiciário. No âmbito diplomático, essa atitude seria interpretada como tendo motivação ideológica, pois traz em si um caráter político. Se, de outra forma, o refúgio fosse concedido pelos órgãos jurídicos competentes para a análise da legislação, a decisão suavizaria essa motivação. Como isso não ocorreu, o problema voltou para o executivo.

O primeiro erro daqueles que queriam a permanência de Battisti no Brasil foi a tentativa de conceder a ele o estado de refugiado, pois não havia fundamento para isso em lei. Esse erro agravou-se ainda mais pelo fato de que, uma vez indeferido o refúgio, o STF votou pela sua extradição. Sabendo que a extradição se fundamenta ou na promessa de reciprocidade (que não necessariamente obrigaria um país a extraditar) ou em tratados bilaterais que obrigam as partes (como no caso de Brasil e Itália), percebe-se que a recusa da extradição de Battisti fere o Direito Internacional. Segundo Rezek, o compromisso de extradição recíproca assumida em tratado “priva o governo de qualquer arbítrio, determinando-lhe que submeta ao Supremo Tribunal Federal a demanda, e obrigando-o a efetivar a extradição pela corte entendida legítima” (REZEK, J. F. Direito Internacional Público: curso elementar . São Paulo: Saraiva, p. 203). Como o processo tem como fundamento um tratado, o costume não dá margem para uma decisão discricionária, pois todo o processo deve se fundamentar em lei. Essa posição foi reconhecida pelos ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski. Dessa forma, o ato do presidente do Brasil no último ano de 2010 representa um atentado grave contra o costume e as leis internacionais, assim como uma afronta ao sistema jurídico não só da Itália como de toda a União Européia. O efeito diplomático de tal ato é extremamente desfavorável ao Brasil.

Por fim, pode-se perceber que a não extradição de Battisti não possui nenhum fundamento no Direito Internacional e se depreende de motivações ideológicas e políticas. O presidente que não fez uma crítica ao governo cubano pela perseguição de dissidentes políticos foi o mesmo que decidiu não extraditar um réu condenado por governos democráticos pelo assassinato de inocentes. A atribuição de poder discricionário ao presidente foi uma grande aventura do Supremo. Um dos argumentos utilizados foi o da “soberania”, que não faz sentido nos casos em que as decisões são regidas por tratados. Segundo o artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos tratados de 1969, todos os tratados em vigor obrigam as partes. É o princípio do pacta sunt servanda . É claro que no âmbito internacional todo Estado é soberano, pois não há um governo mundial. São esses e outros princípios, porém, que fazem com que os governos respeitem os direitos humanos e construam relações harmoniosas, submetendo-se voluntariamente através de tratados e outros instrumentos de Direito, inclusive os estatutos das cortes internacionais. O que ocorreu não foi um ato soberano, mas um ato ideológico, praticado por um governo de esquerda que sempre aplicou dois pesos e duas medidas em suas relações externas. Para aqueles que ainda concordam com a decisão, pensem se manteriam essa opinião caso Battisti fosse um militante neofascista?

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Vitória de Dilma, derrota do PT

Dilma agora diz que respeita a imprensa e que não vai mexer na constituição. Que interessante notar o recuo do radicalismo ideológico petista diante das críticas da oposição e da necessidade de estabelecer alianças. Derrotamos o PNDH - que ainda mostrou seus traços no primeiro programa de governo, rejeitado até pelo PMDB - e nos fizemos ouvir sobre a aborto. Agora vamos vigiar para que a presidente
cumpra suas promessas e para que o Brasil permaneça no caminho das nações democráticas do Ocidente. De qualquer forma, embora essas eleições tenham constituído uma vitória da Dilma, também representaram uma derrota para o PT. 

“Acredito que teria amado a liberdade em todos os tempos, mas sinto-me inclinado a adorá-la nos tempos em que vivemos” Alexis de Tocqueville

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Democracia à latina

É um grande problema a confusão entre democracia e ditadura de massas. Carl Schmitt foi um jurista teórico do Estado nazi-fascista. Para ele democracia é aquela sociedade em que se exclui a heterogeneidade e cujas dissenções entre os membros são superadas pelas decisões do soberano, este encarnando o espírito nacional. Não há espaço nessa sociedade para qualquer tipo de "minoria". 

Mesmo que a maioria do povo alemão desejasse Hitler, essa não é a democracia defendida pelos países ocidentais vencedores da guerra. Pois, nessa democracia, as minorias têm o mesmo direito de participação política e condições de disputa pelo poder que as maiorias. Se numa sociedade a liberdade de expressão é restringida, as minorias não podem se organizar em vista da revindicação de seus direitos. Um país que cala as minorias não é uma democracia, é uma ditadura da maioria, pois obviamente nem todos exercem seus direitos com igualdade. Predomínio do executivo, controle da oposição, apoio de massas, essas são, entre outras, as características de um Estado fascista e, atualmente, de algumas repúblicas latino-americanas.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

POR QUE O PT QUER CONTROLAR A MÍDIA, A EDUCAÇÃO, PARTIDOS, SINDICATOS, FAMÍLIA!

1. Depois do "decreto" sobre direitos humanos, onde Lula, Dilma e o PT foram pegos em flagrante, muitos se perguntaram por que num decreto tratar de aborto, restrição à liberdade de imprensa, empoderar mais os sindicatos, centralizar normas de educação, submeter os partidos políticos, etc. A questão nada tem a ver com excessos do ministro que a ministra da casa civil e o presidente descuidadamente assinaram.

2. É, na verdade, muito mais grave, pois tem base conceitual. Desde Marx que se vem estudando as questões relativas ao "Estado a serviço da burguesia" e os sistemas derivados da base econômica, os quais se agruparam no que ele chamou de "superestrutura". Aí estão a Igreja, Educação, Imprensa...

3. Durante a Guerra Fria, no pós-guerra, na medida em que os governos, de ambos os lados, buscavam internamente o máximo consenso na defesa de sua visão ideológica, alguns autores entenderam que o conceito de Estado deveria ser mais abrangente, incluindo toda a chamada "superestrutura". Alguns deles, e o exemplo mais expressivo foi o filósofo Louis Althusser, reconceituram o Estado dessa nova forma.

4. Os jovens políticos de esquerda formados nessa geração, com influência althusseriana (final dos anos 60 e anos 70), uma vez no poder, 30 anos depois, trataram de trazer abertamente tais funções para o Estado, usando-as para reforçar seu controle sobre a sociedade, num Estado Total de pensamento único. É isso que tenta fazer o PT no poder. E o "decreto" não foi um excesso isolado, mas faz parte de um projeto. Portanto, muito, muito mais grave. Afinal, o que faz Chávez? Pilhados a tempo, fingiram recuar. Na verdade ganham tempo, pensando no próximo governo, que imaginam controlar.

5. No caderno "Sabato" do jornal Estado de SP (17), Silviano Santiago escreve em seu artigo: "Louis Althusser, filósofo marxista, retrabalhou a noção clássica de aparelho de Estado (governo, administração, exército, tribunais) para somar a ela os chamados 'Aparelhos Ideológicos do Estado', (família, escola, mídia, sindicato e sistema político nacional).

Fonte: Ex-blog César Maia